Atrasos nos repasses de verbas de programas federais e queda nos valores das parcelas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) levaram mais da metade dos Municípios brasileiros ao caos financeiro.
Mais de 1.275 prefeituras nos Estados de Rio, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe e Goiás fecharam as portas e promoveram greves de 24h — entre agosto e outubro —, para protestar contra o governo, os atrasos e a redução na arrecadação. O movimento de paralisação se espalhou por 15 Estados.
E não é de hoje que a Confederação Nacional de Municípios (CNM) tem feito alertas ao país. A entidade já apresentou estudos que comprovam essa situação, só no FPM, por exemplo, no acumulado do ano, os Municípios deixaram de receber cerca de R$ 2,4 bilhões. O fundo é calculado a partir da arrecadação de impostos federais. De acordo com a CNM, os cofres municipais deveriam ter recebido cerca de R$ 2,9 bilhões.
Entrevista CNM
O Jornal O Globo conversou com o presidente da Confederação Nacional do Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, que afirmou que o represamento de verbas federais é uma tentativa de reforçar o caixa do governo em meio à crise econômica e ao ajuste fiscal. Segundo ele, as prefeituras têm deixado de fazer investimentos. “O que vemos nos Municípios são obras paradas, máquinas e ônibus escolares que deixaram de ser pagos e foram devolvidos pelas prefeituras, e qualidade da merenda escolar caindo.”
Ziulkoski chama a atenção para atrasos na área social. Segundo a CNM, um dos exemplos é o Índice de Gestão Descentralizada do Bolsa Família (IGD), usado pelas cidades para gerenciar e fiscalizar o programa. Está previsto um orçamento de R$ 535 milhões para este ano. Mas, deste valor, foram empenhados R$ 490,2 milhões, que terão como destino o pagamento de despesas referentes a 2014.
Entre as áreas apontadas por prefeitos como críticas estão Educação, Saúde e Assistência Social. Prevista para ser repassada em parcela única em maio ou junho, a verba do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), destinada à manutenção de escolas, ainda não foi paga.
Agência CNM70% das prefeituras dependem do FPM
Das 5.668 cidades brasileiras, 70% dependem do FPM. As verbas de transferências federais complementam o orçamento minguado e, quando não chegam no prazo previsto, refletem na falta de pagamentos a fornecedores, suspensão de serviços e paralisação de obras. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um governo não pode transferir para o mandato seguinte mais restos a pagar – dívidas empenhadas, mas não pagas – do que o volume de recursos que possui em caixa. Assim, evita-se que governantes comprometam a gestão dos seus sucessores. Mas na prática, esse cuidado acaba valendo apenas para prefeituras e estados, e não para a União, que empurra suas dívidas.
Os restos a pagar acumulados que o governo federal deixou de pagar aos municípios chega a R$ 35 bilhões. Embora a dívida se arraste, o governo federal não descumpre a LRF. Pela interpretação da lei, a União possui em caixa mais dinheiro do que o total em dívidas com as cidades. O montante resulta do acúmulo de anos de superávit primário e, em vez de ser usado para quitar a dívida pública, permanece no caixa da União. O governo tem a prerrogativa de decidir se paga ou não sua dívida, tendo o privilégio legal de não ter limitação para se endividar e de usar essa possibilidade para acumular restos a pagar.
Relatos de prefeitos
Vários gestores relataram ao jornal O Globo que para cobrir despesas que deveriam ser custeadas por transferências do governo federal, mas que ainda não foram pagos este ano, Municípios tiveram de paralisar serviços e reduzir o horário de atendimento à população.
O atraso em verbas da Educação ameaça comprometer até o planejamento do ano letivo de 2016. Entre as cidades do Estado do Rio mais prejudicadas com o corte forçado no orçamento está Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quarto município em população. Segundo o prefeito Nelson Bornier, há o risco de a rede pública suspender o horário integral em parte das escolas. A cidade tem hoje 65 mil alunos no ensino fundamental, e 72% de suas unidades escolares têm horário integral.
“Usamos o programa para oferecer o horário integral. Este ano não foi pago. Estamos conseguindo manter o horário integral, mas para 2016 há o risco de a carga horária ser revista”, alerta Bornier.
As dificuldades se repetem em cidades do Sul do país. Presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Luiz Carlos Folador diz que prefeituras estão leiloando terrenos para pagar contas e manter a folha de pagamento. “Estamos no ano mais difícil. As receitas caíram, mas os custos aumentaram. Aumentaram a energia, o combustível e a folha. No Rio Grande do Sul, 93% dos Municípios tomaram medidas contra a crise, como redução da folha e horário dos servidores”.
Agência CNM, com informações do O Goblo