O Oeste catarinense é nacionalmente conhecido como potência produtora de frangos e suínos, mas esbarra na questão geográfica por estar afastado dos portos e centros consumidores. Duas ferrovias, uma de Leste a Oeste e outra de Norte a Sul, beneficiariam a cadeia produtiva e permitiriam o escoamento da produção. Mas antes elas precisam sair do papel. E entrar nos trilhos.
Berço das agroindústrias de Santa Catarina que exportam para mais de 150 países, o Oeste catarinense se vê numa encruzilhada que pode significar prosperidade ou decadência econômica para as próximas gerações.
O investimento em ferrovias é visto por lideranças comunitárias, políticas e empresariais como solução para manter a competitividade da região, que fica em desvantagem geográfica por estar longe dos portos e centros consumidores.
Se na década de 1950 a família Fontana fundou a empresa aérea Transbrasil para levar carne fresca de Santa Catarina para São Paulo, agora o trem parece ser o caminho mais barato para levar carne de frango e suína de Santa Catarina para o mundo. Além de trazer milho para alimentar as criações locais. Para isso o Oeste reivindica duas ferrovias.
Uma ligando a região ao litoral catarinense, chamada Ferrovia do Frango, também denominada Ferrovia da Integração ou Leste-Oeste. A outra, que seria uma extensão da Ferrovia Norte-Sul, foi também apelidada de Ferrovia do Milho, pois traria o cereal, base da alimentação de frangos, suínos e bovinos, do Centro-Oeste brasileiro para Santa Catarina.
Uma ausência ameaçadora
Para o presidente da Associação Comercial de Chapecó, Maurício Zolet, a falta de ferrovias ameaça o crescimento da região, que tem boa parte da economia baseada no modelo agroindustrial, do qual fazem parte outros setores como o metalomecânico e de plásticos.
— É a ferrovia ou o colapso— argumenta.
O empresário diz que a infraestrutura e a segurança são prioridades da Associação Comercial e que, entre esses destaques, a Ferrovia é a principal aposta da entidade.
— É questão de sobrevivência— completa Zolet, sobre o risco de fuga das empresas para o Brasil central.
Ele argumenta que, sem os trilhos, a região ficará fora da concorrência no mercado internacional. O secretário de Desenvolvimento Econômico de Chapecó, Américo do Nascimento Júnior, reforça o coro dos que consideram que a ferrovia iria eliminar um dos gargalos para o desenvolvimento do Oeste.
— Sem isso, a fuga de investimentos é algo iminente — avalia Nascimento.
Nascimento Júnior argumenta que, além de levar produtos da região Oeste para o litoral brasileiro, as ferrovias também poderiam trazer outros produtos, como aço, de outras regiões para Chapecó.
Definição do traçado gera disputa
O traçado da Ferrovia Leste-Oeste de Santa Catarina tem algumas projeções, mas ainda pode ser alterado. No site da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública do governo federal, há um traçado ligando Itajaí a Chapecó, com extensão até Dionísio Cerqueira.
O secretário de Infraestrutura de Santa Catarina, Valdir Cobalchini, diz que o governo federal acenou para a possibilidade de que Santa Catarina defina o melhor traçado e assuma a execução. Até a participação do Exército, através do Batalhão de Engenharia de Lages, foi cogitada em reunião entre a presidente Dilma Rousseff e o governador Raimundo Colombo.
De acordo com Cobalchini, ainda é preciso acertar com o governo federal a forma como será construída e gerida a obra, se haverá participação privada ou se se esta será executada por concessão.
Critérios técnicos baterão o martelo
Conforme Cobalchini, o governo do Estado reivindica que o traçado obedeça a critérios técnicos.
— O traçado deve atender à demanda, à produção e ao local que tiver mais viabilidade — explica.
O secretário de Infraestrutura diz que o ponto inicial seria Chapecó, podendo ser estendido até Dionísio Cerqueira. Mas que o ponto final, que seria um porto, ainda não está definido. Cobalchini afirma que para isso serão ouvidas forças empresariais e políticas de todo o Estado.
— Essa obra impacta sobre a economia de Santa Catarina e não podemos errar nossa escolha — afirma.
Ele entende que a obra é urgente e que está em jogo o crescimento e a competitividade da indústria. Na avaliação do secretário, Itajaí deve ser o destino final da ferrovia por ser o segundo maior porto de itens frigorificados do país.
— Como nosso objetivo é exportar produtos de valor agregado, seria o melhor destino — explica.
Do zero ao auge, do ápice à inatividade
De acordo com o escritor e historiador Sérgio Martins, vários municípios do Meio-Oeste se formaram às margens da ferrovia que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul passando em Santa Catarina por Porto União, Herval do Oeste e Piratuba.
No caso de Herval do Oeste, que ainda mantém trilhos antigos e poderá contar com a Ferrovia do Frango caso esta seja concretizada, a mudança proporcionada pela chegada da ferrovia, em 1910, foi notável. O local passou de um pequeno povoado de agricultores para um município totalmente emancipado de Joaçaba em 1953.
Na época, a ferrovia servia para transportar tanto cargas como passageiros. Entre os principais produtos escoados estavam milho, feijão e alfafa. A Ferrovia do Contestado também serviu para Attilio Fontana transportar suínos de Santa Catarina para estados como São Paulo, antes de fundar a Sadia.
A ferrovia viveu seu auge até a década de 1970. Depois, foi perdendo importância. A gota d'água para a desativação da estrutura da Rede Ferroviária Federal foi a enchente de 1983, quando vagões foram destruídos e a estação de Herval do Oeste acabou sendo inundada.
Em 1996 a Ferrovia do Contestado foi concedida pera a América Latina Logística (ALL) do Brasil S.A. Desde então, conforme Martins, raramente um trem passa pela cidade. O que restou foram trens turísticos em Piratuba e Pinheiro Preto.
— Hoje temos uma área nobre que está crescendo mato e não podemos utilizar — lamenta, sobre o atual estado de abandono da rede ferroviária.
O aposentado Carlos Adão Tratsk é filho de um ex-ferroviário e apaixonado por ferrovias. Na infância, morou a menos de 30 metros dos trilhos, em frente à estação de Herval do Oeste. Ele disse que a estação costumava ser repleta de gente, mas agora fi ca triste ao ver os trilhos tomados pelo mato, com os dormentes apodrecendo e a ponte sobre o rio Barra Verde enferrujando.
A novela das ferrovias do Oeste
:: 1910 – A partida: estação Ferroviária de Herval do Oeste é inaugurada quando a região não passava de um pequeno povoado
:: 1953 – A virada: ferrovia auxilia no desenvolvimento de Herval do Oeste fazendo com que consiga se emancipar de Joaçaba
:: 1960 – Auge: ferrovia de Herval do Oeste atinge seu ápice, quando transportava cargas e passageiros
:: 1970 – Início da queda: ferrovia entra em processo de decadência, perdendo toda a importância anteriormente conquistada
:: 1983 – A derrubada: estrutura da Rede Ferroviária Federal é destruída por uma enchente que dizimou vagões e inundou a estação de Herval do Oeste
:: 1996 – Quase deserta: ferrovia do Contestado é concedida a ALL. Desde então, raramente um trem passa pela cidade
:: 2009 – Para retomar: luta pela ferrovia começa a ganhar força com carta de intenções de lideranças da região encaminhada aos governantes
:: 2013 – À espera: Meio-Oeste catarinense reivindica a criação das ferrovias do Frango e do Milho